jornal plural do agrupamento de escolas dr. manuel laranjeira

Um ano em luta!

     De repente, os professores passaram a ser notícia assídua nos meios de comunicação social.

     Na verdade, o ano letivo 2022/23 foi bastante atípico nas escolas portuguesas. Nunca tanto se falou da carreira dos professores, da burocracia que ocupa parte tão significativa do seu tempo de trabalho, do descontentamento generalizado de todos os profissionais que trabalham nas escolas!

     Para assinalar este ano de tanta contestação, o Plural entrevistou a professora Manuela Lima, do AEML.

     Plural – Resumidamente, quais são as principais reivindicações que os professores apresentam?

     Manuela Lima – Convém começar por dizer que eu não represento qualquer estrutura sindical e que sou docente há 30 anos.

     São conhecidas as reivindicações dos professores: a revisão do modelo de contratação, a recuperação do tempo de serviço, a revisão do modelo de avaliação de desempenho, a resolução da vinculação tardia, o regime de aposentação e a necessidade de salários mais justos.

     Infelizmente, desde a Ministra Maria de Lurdes Rodrigues, entre 2005 e 2009, durante o Governo de José Sócrates, muitos têm sido os motivos para descontentamento.

     A alteração do modelo de gestão das escolas, criando o cargo de diretor, a alteração do modelo de avaliação docente e a alteração ao Estatuto da Carreira dos Educadores de Infância e dos Professores dos Ensinos Básico e Secundário, bem como o congelamento do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira constituíram, para mim, fatores de instabilidade e mal estar nas escolas.

     No que se refere concretamente à situação atual, o que inicialmente me mobilizou foi a possibilidade de os municípios participarem no recrutamento dos professores. Ainda que compreenda que a escola, no âmbito da sua autonomia, ganhe com a possibilidade da participação dos diferentes agentes da comunidade educativa, sinto que não estão reunidas as condições para que tal aconteça. Falta sobretudo maturidade institucional. Foi esta situação que avivou todo o descontentamento acumulado ao longo de vários anos, associado à desautorização da classe docente e ao excesso de burocracia.

     A possibilidade de conselhos municipais recrutarem docentes foi a gota de água que fez transbordar o copo. Essa possibilidade está aparentemente afastada, mas deve continuar a merecer a nossa atenção.

     Não menos importante e também motivo de grande contestação tem sido a recuperação do tempo de serviço para efeitos de progressão na carreira. São 6 anos, 6 meses e 23 dias que fazem uma grande diferença na carreira dos professores. Grande parte dos docentes que têm este tempo de serviço congelado não poderão aceder ao topo da carreira, o que se refletirá na aposentação.

     A avaliação de desempenho é outro problema nas escolas que exige uma revisão no sentido de se fazer cumprir o que deve ser realmente o seu propósito: promover um ensino de qualidade. Constata-se que, pelo contrário, este modelo de avaliação tem um impacto negativo no ambiente escolar, transportando para o seu interior mais ansiedade, conflitualidade, competitividade, sentimentos de injustiça e desmotivação dos professores.

     Plural – Numa perspetiva negocial com a tutela, em que, necessariamente, tem de se equilibrar cedências parciais com intransigência absoluta, quais as “linhas vermelhas” que as estruturas sindicais, em representação dos professores, têm de manter?

     ML – Os professores são uma classe profissional responsável, pelo que estão naturalmente disponíveis para negociar. Isso implica ajustes, acordos e, por isso, cedências de ambas as partes. Implica também seriedade e vontade para resolver os problemas. Os professores já demonstram essa abertura negocial, contudo não têm sido ouvidos. Temos assistido à falta de seriedade nas negociações sendo que, em muitas situações, a mentira é usada com a intenção de colocar a opinião pública contra os professores.

     Está agora em negociação a recuperação do tempo de serviço, mas as propostas que têm saído das reuniões negociais nada tem a ver com o tempo de serviço congelado. A tutela pretende apenas que os docentes retidos no 4º ou 6º escalões avancem para os escalões seguinte; ora isto nada tem a ver com o descongelamento dos mais de 6 anos. A proposta em causa está associada à Avaliação de Desempenho Docente, mais concretamente ao regime de “quotas”, não resolvendo, por isso, a recuperação do tempo de serviço prestado.

     Este é um dos aspetos mais sensíveis. Os professores estão disponíveis para negociar uma recuperação faseada, até ao final desta legislatura, mas não estarão disponíveis para a anulação desse tempo de serviço efetivo para a progressão na carreira.

     Plural – Em que vertentes achas que a carreira docente e o estatuto dos professores mais se degradou ao longo das últimas décadas?

     ML – A degradação da carreira docente advém de múltiplos fatores. Ao longo destes anos, criou-se nas escolas um ambiente de exaustão e, ultimamente, podemos mesmo dizer, um ambiente insustentável. Os professores têm múltiplas razões para contestar: a precariedade, o “tempo congelado”, a “casa às costas”, as “quotas” no acesso ao 5.º e 7.º escalões, que estrangula a avaliação e a progressão na carreira, a burocracia, a dificuldade de fazer aprender aqueles alunos que, por múltiplos e variados motivos, estão de portas fechadas para a aprendizagem, não esquecendo também a desautorização muitas vezes gerada pela própria legislação.

     Plural – Qual a entidade em concreto que consideras responsável pelo contínuo acumular de tarefas burocráticas?

     ML – Considero que a responsabilidade da excessiva carga burocrática é do ministério.

     Apesar do princípio de autonomia das escolas ser bandeira dos últimos governos, a verdade é que cada vez mais as escolas têm de fornecer números à tutela e justificar as suas atuações. Esta situação absorve imenso tempo dos professores que não reconhecem em muitos desses procedimentos vantagem para os alunos nem para o bom funcionamento das escolas.

     A obrigação de preenchimento de plataformas e registo de informações exaustivas, bem como a elaboração de relatórios intermináveis para a avaliação e procedimentos disciplinares, num vórtice de justificações e fundamentações, entre outros, são motivos para a exaustão dos professores e para a vontade de desistirem da profissão.

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